Reflexões de Fiorin e Platão pertinentes ao ofício de Revisão de Textos
"Muitas pessoas poderiam dizer que, na escrita, pode-se tolerar o uso de certas variações
léxicas, mas que a utilização de certas variantes fônicas, mórficas e sintáticas constitui erro e que,
portanto, elas devem ser banidas do texto escrito.
A questão não é bem assim. Precisa ser mais
bem pensada.
Em primeiro lugar, é preciso substituir o conceito de erro pelo de adequação. Na escrita,
usam-se as variedades não aleatoriamente, mas no processo de criação das personagens. Assim,
são elas meios de figurativizar a identidade do narrador ou das personagens: um surfista, um
homem do povo, um malandro, um pedante etc.
Por isso, a variante linguística utilizada tem que
ser adequada à identidade da personagem e à situação de comunicação. Como cada variante cria
um dado efeito de sentido, cada uma delas é adequada a um lugar, um tempo, uma situação de
interlocução e um grupo social. É tão inadequado dizer a um amigo, antes de um jogo de futebol,
A propósito de seu advento a este prélio, apreciaria que me dirimisse uma incerteza sobre a
verdade de um fato, quanto dizer numa ocasião mais formal Aí nóis pegô e deu uns amasso na
mina.
Não se escrevem da mesma maneira os artigos do Folhateen, suplemento para jovens do
jornal Folha de S. Paulo, e os editoriais desse jornal; uma bula de remédio e um conto; as falas
de cada personagem; a primeira página do jornal Notícias Populares e a primeira página do
Estadão. No texto científico, técnico, informativo etc. a única norma admitida é a chamada
norma culta. Em outros tipos de texto, as variantes, como se disse, são usadas para figurativizar a
identidade do narrador ou das personagens.
Deve-se estar atento, quando se usam variantes linguísticas, para o fato de que elas devem ser
adequadas à identidade de quem as utiliza (não se pode fazer um fluminense de Campos falar
como um gaúcho) e de que seu uso deve ser coerente (uma personagem não pode usar uma
variante e, na mesma situação, utilizar outra muito diferente; por exemplo, ora fala na variante
baiana, ora na gaúcha). A mistura de variantes pode ser feita, mas é trabalho muito complicado,
que exige um conhecimento muito grande da língua, para saber como combiná-las".
Savioli, Francisco Platão & Fiorin, José Luiz Lições de texto: leitura e redação. 1.ed. São Paulo : Ática, 2011.
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